MEU COMPANHEIRO

Há sentimentos que não podem ser explicados nem mesmo em palavras. Hoje, eu queria falar sobre um desses e sobre o Companheiro. Não, não é o Lula. É o Companheiro mesmo, meu cachorrinho que nasceu em casa, há 16 anos.

Ele é filho da Xuxa, uma outra cachorrinha da raça Basset que adotamos quando estava abandonada em um terreno baldio prq os donos decidiram que não havia mais espaço pra ela na vida deles. Ela perdeu uma família ingrata e ganhou outra apaixonada. Quando "pegamos" a Xuxa, ela já não era tão novinha, deveria ter lá seus 7/8 anos. Ela era tão educadinha, só entrava em casa quando a gente chamava (e a gente chamava muito!), não fugia pra rua, levantava a patinha para ser lavada na hora do banho e era muito carinhosa. 


Um belo dia, Xuxa entrou no cio e em um descuido do vizinho que entrou em casa e deixou o portão aberto, um cachorro que estava na rua entrou e fez dois filhotinhos nela. A Elvira e o Companheiro. Eu lembro exatamente do momento em que eles nasceram. Era de madrugada de sexta pra sábado, dia 23 de março. Fiquei em volta com o coração na mão. Nunca tinha visto um parto de cachorro. A natureza é perfeita. No outro dia eu consegui tocar nos dois e foi amor à primeira vista. Já sentiram cheirinho de cachorrinho filhote? 

Elvira tinha alguns problemas de saúde e viveu pouco, acho que um ano e meio, mais ou menos. Xuxa morreu depois de oito anos morando com a gente, deveria ter seus 15. Ela era tão doce que foi embora enquanto dormíamos, não deu um pingo de trabalho. Doeu, em nós e no Companheiro que passou bons dias cabisbaixo. Eu não sei se cachorro tem essa identificação materna, se sabe que o filho é o filho e a mãe é a mãe, e se a morte dói tanto neles quando dói na gente. Mas acho que ele sentiu algo.

Desde então, o Companheiro passou a ser o único cachorro da casa, dividindo espaço só com a Daniela, a gata, que também foi adotada. Companheiro se chama Companheiro pela lealdade. Ele sempre foi muito grudado com a minha mãe (Que não é dessas que gosta tanto assim de cachorro, mas que cuida!). Aonde minha mãe ia, lá estava o Companheiro, feito uma sombra. É uma lembrança gostosa dele filhotinho, com as patinhas gordinhas, correndo atrás dela dando pulinhos que balançavam as orelhinhas. Não tinha como não se apaixonar.

Mas como a lei natural da vida, a idade chegou pra ele também. Perdeu a visão, a audição, o equilibrio e o andar já estava bem complicado por conta das patinhas traseiras. Se calculado na idade humana, os 16 anos do Companheiro equivalem a 87 anos nossos. Um senhor de idade bastante avançada e muito gordinho. Acredito que o segredo da longevidade seja a mistura de raças. Afinal, tem sangue Basset e sangue Vira-Lata, o que deu a ele uma carinha de danadinho sem igual, mesmo já velhinho.


Por ele e pela Daniela, abri mão de muitas coisas. Ciente e feliz. Quando se decide ter um animal, a responsabilidade é do tamanho do amor que a gente recebe. Deixei de viajar porque não queria deixa-los sozinhos, de sair no ano novo para que eles não se sentissem abandonados e tão desesperados e ate mesmo na hora de escolher de lugares que íamos morar. Se não fosse bom pra eles, também não era pra nós.

Poderia citar inúmeros momentos que tivemos, mas que só fariam sentido pra mim e nem teria tanta graça pra quem lê. Passamos muito momentos juntos. Felizes e tristes. Ele foi a minha companhia, ou melhor, o meu companheiro todos esses anos. Mudamos de casa tantas vezes e ele sempre desbravando os quintais como se fossem os lugares mais incríveis do planeta, chacoalhando o rabo na maior alegria.

No domingo passado, dia 31 de março, Companheiro decidiu que queria mudar de casa. Dessa vez, sozinho. Foi morar lá no céu dos cachorros,  com um quintal imenso pra ele voltar a correr. Meu coração segue despedaçado, mas tranquilo por saber que ele está em paz. Foi um amigão, um verdadeiro Companheiro. Diferente da mãe, a despedida dele não foi
 tão tranquila, e sei que a morte foi um descanso. Conversarmos bastante. Falei que ficaríamos bem, nós e ele, e o quanto o céu dos cachorros tinha fama de ser incrível. 

Ele não estava mais aguentando e isso me dói também, de não poder ter feito mais, de não ter tirado sua dor. No fundo eu tenho aquele sentimento egoísta de querer que tivesse ficado por mais 16 anos ou pelo tempo que eu habitasse por aqui também. Sei que enquanto eu tivesse escrevendo qualquer coisa, ele estaria deitado embaixo da mesa, encostadinho no meu pé. Mas escrevo esse texto acompanhada só das lagrimas que insistem em cair e de um coração partido.

Faz pouco tempo e sinto muita muita muita falta; do barulho das patinhas andando pela casa, de ter ele atrás sempre que mexíamos em qualquer coisa na cozinha, dos banhos do fim de semana, da companhia de todos os dias, de tudo.

Eu sei que a idade animal é mais restrita, eu sei que uma hora a despedida tem que acontecer, mas a verdade é que nunca estamos preparados. Acreditamos sempre que há mais um tempo para receber aquele olhar doce de admiração, a lambida de carinho, a abanadinha no rabo que sinaliza o quão incrível somos para nossos pets. Não importa o que temos, o que a gente faz, como 
somos vistos, para eles somos sempre as melhores pessoas do mundo. A verdade é que, a partir do momento que eles entram em nossas vidas, tudo se transforma e por muitas vezes, são eles que nos salvam de nós mesmos.

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