A VIDA TEM DESSAS

O ano de Manuela começou de cabeça para baixo. No primeiro dia de janeiro, foi assaltada enquanto voltava da casas dos pais. Na ação, os bandidos levaram os documentos, todo o dinheiro que ela tinha na bolsa, o celular que havia comprado no início de dezembro e ainda um álbum repleto de fotos da infância. Dois dias depois, quando descia as escadas do trabalho, virou o pé e fraturou o dedinho, tendo que ficar 20 dias imobilizada, com uma bota ortopédica nada bonita.
Quando pensou que nada mais podia acontecer, recebeu a notícia de que a empresa que trabalhava há um ano e meio, fecharia as portas e que ela não estava na lista de profissionais que seriam transferidos. Diferente do namorado, que ocupava um importante cargo na entidade e foi chamado para continuar o trabalho em uma cidade há 500 quilômetros de distância. Ele foi, ela ficou!

Eram mesmo tempos difíceis. No combo, teve que se mudar as pressas do antigo apartamento em que morava, sozinha, há pouco mais de um ano. Em uma briga de família, o imóvel que era herança, virou disputa judicial de irmãos e precisou ser fechado. Logo, não tinha mais emprego, o namorado perto e nem mesmo um lar pra chamar de seu.

Dois meses foram o suficiente para que Manuela fosse do céu ao inferno, mas aos poucos as coisas começaram a voltar aos eixos. Resgatou o álbum de foto em uma ação policial, comprou outro celular, recuperou o dedo quebrado, conseguiu um apartamento muito charmosinho, ao lado do novo emprego. Como nem tudo são flores, teve que se acostumar com a ausência e a saudade do namorado que agora estava em outra cidade.

Entre o caos e o ajeito, Manuela viu de perto o quanto mudanças podem ser solitárias. Para atravessar todo o período conturbado, ela foi arrancada da zona de conforto que estava, e sentiu o impacto de ter que responder por todas as ações, na maior parte, sozinha. O peso da vida adulta não foi gentil e caiu com tudo sobre os ombros dela.

Nem todos os amigos compreenderam que a ausência, em alguns momentos, era o grito silencioso dizendo que as coisas estavam difíceis. Tempos morosos vieram e se foram como o vento, que soprou pra longe pessoas que não conseguiram entender que não era sobre elas.

Toda mudança é significativa e deve ser respeitada, assim como o tempo que, na maioria das vezes, é justo. Sair do casulo é pesado! Entender que o que a gente quer, não é o que vai acontecer, é um desafio que só se vence, vivendo. Toda mudança é solitária, ainda que a gente vá na contramão da situação e de mãos dadas com alguém. As asas aparecem junto com os sinais pra avisar que coisas melhores estão por vir e que tá liberado voar. É preciso acreditar. 

Os amigos resistem quando há o mais importante em uma relação de amizade que é compreensão, quando não cobram o que nem eles podem oferecer e que estão sempre prontos para alinhar as velas. Os ventos, às vezes, sopram para que o barco mude a rota. E como a ordem natural da vida, pode ser que nos desligue de trajetos antigos. 

Manuela segue tentando colocar a vida em ordem, com todos os reflexos e marcas que as mudanças deixaram. Descobriu que gosta de se sentir segura. Todos os dias, antes de sair de casa, se assegura que não há nada de valor sentimental que alguém possa levar. Quando vai descer uma escada, se apoia no corrimão para que nenhum deslize a coloque de molho novamente. 

Ao escolher o novo apartamento, se certificou de que o contrato a manteria ali por, pelo menos, dois anos. O novo trabalho trouxe desafios que não caberiam em palavras. Tem viajado mais, saído mais, se divertido mais, se permitido mais e vivenciado, de forma intensa, todos os sentimentos, dores e prazeres. Afinal, a vida pode mudar a qualquer momento. E as mudanças, por mais solitárias que sejam, nos mostram caminhos diferentes. A gente nunca sabe o que vai encontrar logo ali, a vida tem dessas...

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