SILÊNCIO QUE RANGE


1
Enquanto a chuva cai, coloco na cama as roupas dobradas uma a uma. Puxo a mala que estava em cima do armário e que guarda diários de uma vida sem emoções. Estou decidida! O barulho do zíper enferrujado ecoa e até o peixe que vive no aquário de pedrinhas azuis parece me observar. Respiro fundo, seco as lágrimas, pego a mala que range como se sofresse com a despedida e a arrasto até a sala fria e silenciosa. Benção, mãe, benção pai.


2.
Primeiro dia de trabalho e ao lado da minha mesa tem uma cortina branca que se manifesta quando o vento sopra forte.  Na sala lotada e barulhenta, ela dança feito bailarina. Falaram que posso decorar a mesa como quiser: porta retrato, flores, calendários e até mesmo aqueles cachorrinhos que balançam a cabeça. Se eu quiser. Tenho duas gavetas que rangem quando abrem – isso me lembra do silêncio frio de casa - e um telefone com um adesivo de número 14 que não para de tocar.  Eles falam, mas não se ouvem. Enquanto isso, a cortina voa em silêncio.

3.
Em pé, no metrô lotado, observo uma senhora que sorri e gesticula enquanto conta uma história. Ela me parece tão familiar. Não consigo ouvir a conversa e nem tirar os olhos da cena. Ela abre a bolsa, pega o celular e mostra algo para a passageira que está sentada ao seu lado.  A passageira, por vez, coloca os óculos de grau que estava na cabeça, tira o celular da bolsa e também mostra alguma imagem. A senhora dá uma gargalhada e um tapinha no ombro da nova colega.  Acho que ela gostou! No alto falante anunciam: Próxima estação, Paraíso. A senhora então se levanta, pega as sacolas que estavam amparadas em seus pés e de despede com um ‘tchauzinho’. A porta abre, range e quebra o silêncio barulhento do vagão. Ela é levada para fora do metrô junto com a multidão. Talvez, pra nunca mais.

* Conto desenvolvidos para o curso de Contos e Crônicas. O exercício era escrever três momentos de uma mesma história. 

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